quarta-feira, 8 de abril de 2015

14 DE ABRIL DE 2015


A PONTE DE WATERLOO (1940)

“Waterloo Bridge”, rodado em 1940 por Mervyn LeRoy, é uma versão nova de uma obra de 1931, dirigida por James Whale, com um elenco de que faziam parte Mae Clarke, Douglass Montgomery, Doris Lloyd, entre outros. O argumento adaptava uma peça teatral de Robert E. Sherwood, que continua a estar na base da versão de 40, uma produção de Sidney Franklin e Mervyn LeRoy, para a Metro-Goldwyn-Mayer, com argumento e planificação de S. N. Behrman, Hans Rameau e George Froeschel. Dois aspectos importantes para o sucesso desta nova versão foram seguramente a partitura musical de Herbert Stothart, com temas que perduraram no ouvido dos espectadores e ajudaram a criar uma ambiência romântica indispensável, bem assim como a nebulosa fotografia a preto e branco, de Joseph Ruttenberg (música e fotografia seriam nomeados para os respectivos Oscars). Mas terá sido a presença do par Robert Taylor e Vivien Leigh, que configurou a razão maior para o êxito invulgar deste filme que, em plena II Guerra Mundial, recorda uma história passada durante o conflito de 1914-1918. Vivien Leigh vinha de um triunfo invulgar, a sua intervenção em “Gone with the Wind”, e esta sua participação ao lado de Robert Taylor marcará outro momento significativo na sua carreira. Ou, melhor dizendo, na carreira de ambos os actores, pois os dois se referem a “A Ponte de Waterloo” como o seu filme favorito.
Rodada em Inglaterra, com muitas cenas filmadas na Ponte de Waterloo, sobre o rio Tamisa, em Londres, a obra funciona em dois tempos históricos definidos. Abre em 1939, com a entrada da Inglaterra na II Guerra Mundial, assistindo-se então ao passeio solitário do coronel Roy Cronin (Robert Taylor) pela ponte que empresta o nome ao filme, interrompendo a sua viagem com destino a França. Esta paragem implica uma recordação, quando durante um outro conflito, duas décadas atrás, ele ali encontrara Myra Lester (Vivien Leigh), uma bailarina que Roy ajuda a recolher durante um bombardeamento da capital inglesa. Do encontro resultou uma história de amor que tudo indica ir acabar em casamento, não fosse a necessidade de Roy ir para a frente da batalha e Myra ter de sobreviver na cidade de Londres, com as dificuldades a avolumarem-se dia a dia, até que, tal como já acontecera com a sua colega e amiga Kitty (Virginia Field), o recurso à prostituição acabou por se impor, quando pensou que o seu amor havia morrido em combate.


Algum tempo depois, assinada a paz, de novo na ponte de Waterlooo, Myra descobre que Roy afinal está vivo e regressou. O reencontro tem um duplo sabor para ambos, mas Myra não consegue esconder a sua vergonha e tudo se precipita a partir daí, um desenlace trágico que Roy irá recordar duas décadas depois, quando novo conflito volta a assolar a Europa.
A relação desta obra com a censura nunca foi pacífica. Na versão de 1931, que adaptava com maior fidelidade a peça teatral de Robert E. Sherwood, os conflitos com a censura foram grandes pela presença mais clara de um tema tabu: a prostituição. Chegou a ser proibido nalguns estados (Chicago não permitiu a sua exibição) e, a partir de 1934, o filme de James Whale deixou de ser projectado, através de uma proibição decretada pelo recém criado código Hays. Na peça de teatro e na versão de 1931, Roy e Myra encontram-se na ponte de Waterloo durante uma ameaça de bombardeamento aéreo de Londres, mas a bailarina é uma frívola corista de music-hall e o oficial um inocente jovem que não se apercebe do passado da sua paixão. Quando se preparou a versão de 1940, com o código Hays em pleno funcionamento, os argumentistas foram muito mais cautelosos a abordar o tema, transformando Myra num bailarina de uma prestigiada companhia de ballet, que várias circunstâncias arrastam para a prostituição (sem que todavia se veja qualquer cena mais explicita dessa actividade). Tudo é apenas sugerido, e sempre salvaguardando a (relativa) pureza da jovem, que é atraída para o mau caminho a contragosto, e se redime renunciando ao seu amor e pagando por isso de forma consciente (no filme de 1931 morre vítima de acidente, no de 1940 suicida-se).
Curiosamente, no início o filme era para ser interpretado por Vivien Leigh e Laurence Olivier que, por essa altura, viviam um intenso romance amoroso. Viv, como era chamada carinhosamente Vivien Leigh, era ainda casada com o advogado Hebert Leigh Holman, com quem casara em 1932, apenas com 18 anos. Olivier, por seu lado, era casado com Jill Esmond. Ambos se divorciariam em 1940 para casarem, mas apesar de terem contracenado em várias peças e filmes, não o fizeram desta feita, o que, ao princípio deixou a actriz desanimada, apesar de ter acabado de rodar em 1938 um filme com Robert Taylor (“A Yank at Oxford”, O Estudante de Oxford, de Jack Conway). Mas ela julgava que o casting neste caso era desajustado. Verificou-se o contrário, ambos funcionaram perfeitamente, Taylor considerou que terá sido o seu melhor trabalho, e que “Miss Taylor era simplesmente magnífica no seu papel e que me fez parecer melhor”.


A interpretação da dupla central é realmente primorosa, ainda que o trabalho de Viv não tenha ultrapassado “E Tudo o Vento Levou” ou “Um Eléctrico Chamado Desejo”, e ambos conseguem estabelecer uma ligação emocional fortíssima e intensa, sem recurso a cenas de maior intimidade, mas apenas sugerindo os sentimentos e o desejo, o que tornou sintomaticamente o filme numa obra de certa densidade erótica, por meio dessa insinuação que deixa pairar no ar um sugestivo clima de sensualidade. Também a sóbria direcção de Mervyn LeRoy concorre para o resultado final. LeRoy foi um competente realizador que deixou marca em vários géneros, desde “O Pequeno César” (1931), “Eu Sou um Evadido” (1932), até ter passado por “O Feiticeiro de Oz” (1939), que viria a ser assinado por Victor Fleming, continuando com “Vidas Queimadas” (1941), “A Noiva Perdida” (1942), “Trinta Segundos Sobre Tóquio” (1944), até à superprodução histórica e bíblica “Quo Vadis” (1951), não descurando qualquer género, e retirando dos actores excelentes desempenhos. “Mister Roberts” (1955) e “Gypsy” (1962) atestam-no ainda.
“A Ponte de Waterloo” conheceu um sucesso brilhante de crítica ("One of the most beautiful plays and motion pictures of all time", escrevia o “Screen Guild Theater”, em 1941) e de público (segundo a MGM recolheu na bilheteira só nos EUA e Canadá, em estreia 1.250.000 de dólares, tendo um lucro de 491.000 dólares, o que era muito bom para a época).
Curiosidade suplementar: “Waterloo Bridge” foi adaptado a teatro radiofónico pelo “The Screen Guild Theater”, em Janeiro de 1941, com Brian Aherne e Joan Fontaine, e, mais tarde, em Setembro de 1946, desta feita com Barbara Stanwyck e Robert Taylor. A televisão surgiu no “Screen Directors Playhouse”, em 1951, com Norma Shearer.

A PONTE DE WATERLOO
Título original: Waterloo Bridge
Realização: Mervyn LeRoy (EUA, 1940); Argumento: S.N. Behrman, Hans Rameau, George Froeschel, segundo peça teatral de Robert E. Sherwood ("Waterloo Bridge"); Produção: Sidney Franklin; Música: Herbert Stothart; Fotografia (p/b): Joseph Ruttenberg; Montagem: George Boemler; Direcção artística: Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Adrian, Gile Steele, Irene; Direcção de Produção: William H. Cannon; Assistentes de realização: Al Shenberg; Departamento de arte: Urie McCleary; Som: Douglas Shearer; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), A Mervyn LeRoy Production; Intérpretes: Vivien Leigh (Myra), Robert Taylor (Roy Cronin), Lucile Watson (Lady Margaret Cronin), Virginia Field (Kitty), Maria Ouspenskaya (Madame Olga Kirowa), C. Aubrey Smith (The Duke), Janet Shaw (Maureen), Janet Waldo (Elsa), Steffi Duna (Lydia), Virginia Carroll (Sylvia), Leda Nicova (Marie), Florence Baker (Beatrice), Margery Manning (Mary), Frances MacInerney (Violet), Eleanor Stewart (Grace), Leo G. Carroll, David Cavendish, Tom Conway, Douglas Gordon, Eric Lonsdale, Wilfred Lucas, Frank Mitchell, Jean Prescott, Clara Reid, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de Maio de 1942.


VIVIEN LEIGH (1913 - 1967)
Conta-se que Vivien Leigh era ainda uma actriz em início de carreira, mas já enamorada de Laurence Olivier, quando disseram a este que daria um óptimo Rhett Butler, quando se falava da adaptação de “E Tudo o Vento Levou” a cinema. Vivien terá então dito: “ele não vai fazer Rhett Butler, mas eu serei Scarlett O'Hara”. Assim foi. Quando Selznick procurava a actriz para o papel, fazendo testes a dezenas de vedetas e desconhecidas, parece que Viv lhe terá dito: "Eu escolhi-me para Scarlett O'Hara. O que acha?" A obsessão era tão grande que um dia ainda na década de 30 terá confessado ao fotógrafo Angus McBean: “E Tudo o Vento Levou” é a minha Bíblia. E vou interpretar Scarlett nem que seja a última coisa que eu faça. Nunca leu? Tem de ler." Deu-lhe depois um exemplar da obra com uma dedicatória premonitória: "Ao querido Angus, com amor. Scarlett O'Hara". Esta era Vivian Leigh, que nasceu com o nome de Vivian Mary Hartley, a 5 de Novembro de 1913, na Índia (colónia britânica então), na cidade de Darjeeling. Faleceu, vítima de tuberculose, em Belgravia, Londres, a 7 de Julho de 1967. Tinha 53 anos.
Oriunda de uma família da média burguesia inglesa, o pai, Ernest Hartley, era agente de câmbio e, simultaneamente, actor amador. Após o término da I Guerra Mundial, a família regressou a Inglaterra, onde, aos 6 anos de idade, a mãe, Gertrude Hartley, internou Vivian no Convento do Sagrado Coração. Aí, fez amizade com Maureen O'Sullivan, irlandesa, que se ira igualmente notabilizar no cinema. Em 1932, com 18 anos, entrou na Academia Real de Artes Dramáticas de Londres, mas saiu para casar com o jovem advogado Hebert Leigh Holman, de 31 anos. No ano seguinte nasceu Suzanne Holman, filha do casal. Pouco depois, Vivien regressa aos estudos teatrais e torna-se actriz. No cinema, começa por um pequeno papel em “Things Are Looking Up” (1935), tendo posteriormente mudado o nome artístico para Vivien Leigh, por sugestão do seu agente, John Glidden.

No teatro, estreou-se nos palcos de Londres interpretando uma esposa coquete em “The Green Sash”, a que se seguiu “The Mask Of Virtue”, que a tornaria célebre. Os elogios da crítica a Viv e os aplausos do público levaram o produtor cinematográfico Alexander Korda a contratá-la por cinco anos. Foi conjugando o teatro e o cinema, até que, em 1937, Viv, como passou a ser conhecida, encontrou Laurence Olivier, na rodagem de “Fire Over England”. No mesmo ano, interpretaram juntos, no teatro, “Hamlet”, no Castelo de Elseneur, local da tragédia de Shakespeare, e o triunfo foi total. As carreiras de ambos prosseguiram e, em 1938, Laurence Olivier viaja até aos EUA para interpretar “O Monte dos Vendavais”, uma produção de Samuel Goldwyn (1939), para a qual chegou a estar pensada a participação de Vivien Leigh, mas cujo papel seria finalmente entregue a Merle Oberon. Vivien, quando foi visitar o marido à América, foi lendo, a bordo do Queen Mary, um romance que gostaria muito de representar, “E Tudo o Vento Levou”, de Margaret Mitchell. Scarlett O’ Hara era um papel que fascinava as actrizes da época e muitas fizeram testes para o conquistarem: Tallulah Bankhead, Paulette Goddard, Jean Arthur, Joan Bennett, Lana Turner, Susan Hayward. Mas o produtor David O. Selznick preferia uma actriz pouco conhecida do público americano e escolheu Vivien Leigh, que havia jurado ser a eleita. Um dia dissera: “Vou interpretar Scarlett nem que seja a última coisa que eu faça.”
“E Tudo o Vento Levou” ganhou rapidamente o estatuto de mito, sendo considerado o filme mais visto de sempre, e um dos mais aclamados. Conquistaria 10 Oscars e Vivien Leigh, interpretando Scarlett, ganhou o primeiro da sua carreira (o segundo consegui-lo-á, em 1949, com a participação em “Um Eléctrico Chamado Desejo”, de Elia Kazan, na figura de Blanche DuBois). Entretanto, tanto Viv como Olivier já se tinham divorciado e casado em 1940.
O sucesso de Vivien Leigh foi fulgurante mas agitado e acompanhado pela doença, quando lhe foi diagnosticada tuberculose e uma propensão maníaco-depressiva, com sintomas de bipolaridade. Ganhara fama de ser de difícil trato, inclusive a trabalhar, acusavam-na de uma sexualidade desmedida e de adúltera e promíscua (tal como o marido, Laurence Olivier). Sobreviveu a dois abortos, mas, muito fragilizada, caiu em depressão profunda, teve um esgotamento durante as filmagens de “Elephants Walk”, de William Dieterle (1953), tendo sido substituída por Elizabeth Taylor. O casamento com Olivier fracassou até ao divórcio, em 1960. Ainda ganharia um Tony, em 1963, pelo seu desempenho na comédia musical “Tovarich”. O seu último filme, “A Nave dos Loucos” é de 1965.
Quando ensaiava “A Delicate Balance”, de Edward Albee, em Londres, teve uma recaída e morreu, em 7 de Julho de 1967. Cremada, as cinzas foram espalhadas no Lago no moinho Tickerage, perto de Blackboys, Sussex na Inglaterra. Assim desapareceu uma das mais belas e talentosas actrizes de todos os tempos, passando a lenda imortal.

Filmografia:

Como actriz: 1935: The Village Squire, de Reginald Denham; Things Are Looking Up, de Albert de Corville; Look Up and Laugh, de Basil Dean; Gentlemen's Agreement, de George Pearson; 1937: Fire Over England (Inglaterra em Chamas), de William K. Howard; Dark Journey (Jornada Negra), de Victor Saville; Storm in a Teacup (Tempestade num Copo de Água), de Ian Dalrymple e Victor Saville; 1938: A Yank at Oxford (O Estudante de Oxford), de Jack Conway;  Sidewalks of London ou St. Martin’s Lane (Ilusões Perdidas), de Tim Whelan; 1939: Gone with the Wind (E Tudo o Vento Levou), de Victor Fleming; 1940: 21 Days (Vinte e Um Dias), de Basil Dean; Waterloo Bridge (A Ponte de Waterloo), de Mervyn LeRoy; 1941: That Hamilton Woman (A Batalha de Trafalgar), de Alexander Korda; 1945: Caesar and Cleópatra (César e Cleópatra), de Gabriel Pascal; 1948: Anna Karenina (Ana Karenina), de Julien Duvivier; 1951: A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico Chamado Desejo), de Elia Kazan; 1955: The Deep Blue Sea (Profundo como o Mar), de Anatole Litva; 1961: The Roman Spring of Mrs. Stone (A Primavera em Roma de Mrs. Stone), de José Quintero; 1965: Ship of Fools (A Nave dos Loucos), de Stanley Kramer. 

Sem comentários:

Enviar um comentário