sábado, 20 de junho de 2015

23 DE JUNHO DE 2015


ATÉ À ETERNIDADE (1953)

“From Here to Eternity” começou por ser um romance de James Jones, lançado em 1951 e que desde logo alcançou um grande sucesso. O título foi arrancado de um poema de Rudyard Kipling, "Gentlemen Rankers", onde se falava de "damned from here to eternity". James Jones falava da sua experiência pessoal numa guarnição militar norte-americana pacificamente instalada no início da década de 40 no Havai, perto de Honolulu, e paredes meias com Pearl Harbor. Estamos no verão de 1941, e os problemas são os inerentes a uma qualquer colónia humana, com homens em exercícios militares e algumas mulheres de oficiais a passearem a sua ociosidade e desejos mal satisfeitos. A instrução é violenta, nalguns casos ultrapassa a tortura, como no caso do soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift), que é tomado de ponta pelo capitão da sua companhia, Dana Holmes (Philip Ober), que, sabendo dos seus dotes de pugilista, o quer integrado na sua equipa, com vista a uma promoção pessoal. Mas Prewitt recusa sistematicamente incorporar-se no grupo de boxe, traumatizado que está por experiências passadas. Esta rejeição leva-o a sujeitar-se às mais sistemáticas humilhações psicológicas e torturas físicas. O mesmo acontece com o seu amigo Angelo Maggio (Frank Sinatra), que o guarda da prisão mortifica de forma desapiedada, quando o apanha atrás das grades, à sua mercê. O sargento Milton Warden (Burt Lancaster) é um dos homens mais equilibrados do quartel, impondo com disciplina as ordens superiores, mas atenuando a sua aspereza e arbitrariedade com algum humanismo. Aproveitando para, nos intervalos, saciar a solidão de Karen Holmes (Deborah Kerr), a mulher do capitão. Entre as principais personagens falta ainda referir Lorene, para os clientes do bar de alterne, onde recebe os soldados em folga, Alma para os amigos e para Robert E. Lee Prewitt, que por ela se apaixona (Donna Reed). A II Guerra Mundial acontece na Europa e ali os choques são os normais num tempo de paz que anuncia tormenta. O que acontece com o ataque dos japoneses a Pearl Harbor e que, por tabela, irá atingir também aquela unidade dos EUA.
Conflitos e paixões à solta num huis-clos que antecede a tragédia e a entrada dos americanos na II Guerra Mundial, “From Here to Eternity”, o livro, que não conheço, parece ser muito mais intenso e duro do que o filme que dele foi retirado dois anos depois (1953), com argumento de Daniel Taradash e realização de Fred Zinnemann, que, no ano anterior, tinha estreado com enorme êxito “O Comboio Apitou Três Vezes” (o célebre “High Noon”). Quando se falou na hipótese da Columbia estar interessada em adaptar o romance, a censura caiu em cima do estúdio e do produtor Harry Cohn que, por isso, ganhou uma alcunha apropriada, "Cohn's Folly", ou seja, mais ou menos, “a loucura de Cohn”. Na verdade, a obra literária era de um realismo vigoroso, quer quanto à vida numa instituição militar, à violência de certas arbitrariedades que roçam o mais extremado sadismo, à corrupção, ao jogo e ao álcool, quer quanto ao clima sensual, onde há um pouco de tudo, de prostituição a adultérios, passando inclusive por homossexualismo. Tudo temas mais que proscritos pelo Código Hays. Por isso o argumentista Daniel Taradash teve de “adaptar” muito (e com muito tacto) esta história para que a mesma conseguisse passar pelo crivo do olhar dos censores. Atenuando aqui e anulando ali, insinuando um pouco, e mostrando alguma coisa, lá conseguiu chegar a bom porto, de tal forma que foi um dos 13 nomeados para os Oscars do Ano, e haveria de ser mesmo um dos oito contemplados finais com a desejada estatueta. Mas as sugestões homossexuais (quase) desapareceram, a brutalidade do sargento 'Fatso' Judson passam de banais a excepcionais, fruto de uma mente patológica, e o capitão Holmes, em lugar de ser promovido, é castigado pela hierarquia.
Este filme foi um dos grandes sucessos do ano em todo o mundo, tendo ganho ainda mais sete Oscars: Melhor Filme, Melhor Realizador (William Wyler), Melhor Actor Secundário (Frank Sinatra),Melhor Actriz Secundária (Donna Reed), Melhor Fotografia (preto e branco) (Burnett Guffey), Melhor Som e Melhor Montagem. Tinha sido ainda nomeado para Melhor Actor (2 nomeações, Montgomery Clift e Burt Lancaster), Melhor Actriz (Deborah Kerr), Melhor Música e Melhor Guarda-Roupa (a preto e branco). O seu triunfo de crítica foi acompanhado pelo de bilheteira, tendo ficando apenas atrás de “A Túnica” (The Rope), que viveu sobretudo do facto de ser o primeiro filme em Cinemascope.  


A realização de Fred Zinnemann tem alguns momentos magníficos. Refira-se a abrir a nunca por demais citada cena de amor na praia, com Burt Lancaster e Deborah Kerr enrolados pelas ondas que agitam o areal, ou uma fabulosa sequência de ajuste de contas entre Montgomery Clift e Ernest Borgnine, quase toda ela elidida, sugerindo muito mais do que mostrando, ou o ataque nipónico ao quartel. A verdade é que a qualidade da realização se socorre muito do trabalho de um elenco de eleição (julgo que Montgomery Clift e Burt Lancaster ultrapassam todos os outros), onde existem deliberadamente castings aparentemente despropositados que todavia resultam brilhantemente. Quem imaginaria antes Montgomery Clift boxeur e um duro de antes quebrar que torcer? Quem colocaria a elegante e senhoril Deborah Kerr no papel de uma mulher adúltera? Quem inventaria um papel de prostituta para a noiva de James Stewart em “Do Céu Caiu uma Estrela”? Já as más-línguas dizem que quem inventou o papel de Frank Sinatra (afastando Eli Wallach, que havia sido o escolhido previamente) terá sido a Mafia, que o impôs para relançar a carreira do cantor-actor, então num momento desastroso da sua trajectória, ainda por cima em crise conjugal com a sua adorada Ava Gardner. Imposto ou não, o certo é que o seu Oscar haveria de o recolocar na senda do êxito.
Não deixa de ser curioso saber-se que inicialmente os actores previstos eram Aldo Ray, Edmond O'Brien, Joan Crawford, Julie Harris e Eli Wallach para os papéis finalmente atribuídos a Clift, Lancaster, Kerr, Reed e Sinatra.
Rodado parcialmente em estúdio e durante três semanas nas instalações militares de Schofield Barracks, no Hawai, esta obra contaria com várias outras versões, dado o seu sucesso. Em 1978, o canal ABC-TV criou uma mini-série, “Pearl”, com Angie Dickinson e Dennis Weaver. No ano seguinte, surgiu um teledramático de duas horas, “From Here to Eternity”, com um vasto elenco (William Devane, Natalie Wood, Steve Railsback, Joe Pantolino, Peter Boyle e Kim Basinger), com realização de Buzz Kulik. Em 1980, daria uma mini-série. Michael Bay, por seu turno, em 2001, rodaria “Pearl Harbor”, uma superprodução adocicada por um lado e truculenta por outro, que não despertou grande entusiasmo a não ser pelas suas cenas de pirotecnia. 
Em Outubro de 2012, o Shaftesbury Theatre anunciava para Setembro do ano seguinte a estreia de “From Here to Eternity - the Musical”, baseado num argumento de Bill Oakes com encenação de Tamara Harvey, coreografia de Javier De Frutos, orquestração de David White, cenários e guarda-roupa de Soutra Gilmour, com música original de Stuart Brayson e poemas de Tim Rice. Foram sete meses e meio de representações com um elenco composto por Darius Campbell (Warden), Robert Lonsdale (Prewitt), Ryan Sampson (Maggio), Siubhan Harrison (Lorene) e Rebecca Thornhill (Karen). Estreou realmente a 30 de Setembro de 2013, e terminou a carreira a 29 de Março de 2014.


ATÉ À ETERNIDADE
Título original: From Here to Eternity
Realização: Fred Zinnemann (EUA, 1953); Argumento: Daniel Taradash, segundo romance de James Jones; Produção: Buddy Adler; Música: George Duning; Fotografia (p/b):  Burnett Guffey, Floyd Crosby (este último não creditado); Montagem: William A. Lyon; Casting: Maxwell Arnow; Direcção artística: Cary Odell; Decoração: Frank Tuttle; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell, Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistente de realização: Earl Bellamy; Som: Lodge Cunningham, John P. Livadary; Companhia de produção: Columbia Pictures Corporation; Intérpretes: Burt Lancaster (Sgt. Milton Warden), Montgomery Clift  (Robert E. Lee Prewitt), Deborah Kerr (Karen Holmes), Donna Reed (Alma / Lorene), Frank Sinatra (Angelo Maggio), Philip Ober (Capt. Dana Holmes), Mickey Shaughnessy (Sgt. Leva), Harry Bellaver (Mazzioli), Ernest Borgnine (Sgt. 'Fatso' Judson), Jack Warden (Corp. Buckley), John Dennis (Sgt. Ike Galovitch), Merle Travis (Sal Anderson), Tim Ryan (Sgt. Pete Karelsen), Arthur Keegan, Barbara Morrison, Claude Akins, Vicki Bakken, Margaret Barstow, Henry Beau, Willis Bouchey, John Bryant, Mary Carver, John L. Cason, Mack Chandler, John Davis, Don Dubbins, Elaine DuPont, Moana Gleason, Robert Healy, Douglas Henderson, June Horne, James Jones, Robert Karnes, Manny Klein, Edward Laguna, Carey Leverette, Weaver Levy, William Lundmark, Freeman Lusk, Tyler McVey, Kristine Miller, Patrick Miller, Robert Pike, Allen Pinson, George Reeves, Joe Roach, Fay Roope, Delia Salvi, Louise Saraydar, Alvin Sargent, Joseph Sargent, Joan Shawlee, Al Silvani, Angela Stevens, Brick Sullivan, John Veitch, Guy Way, Norman Wayne, Robert J. Wilke, Jean Willes, Norman Wright, Carleton Young, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal / Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Novembro de 1954.


DEBORAH KERR (1921-2007)
Deborah Jane Kerr-Trimmer nasceu a 30 de Setembro de 1921, em Helensburgh, Glasgow, na Escócia, e viria a falecer a 16 de Outubro de 2007, aos 86 anos, em Botesdale, Suffolk, Inglaterra, atormentada pela doença de Parkinson. Deixou viúvo o escritor Peter Viertel, com quem esteve casada mais de 47 anos. Antes havia sido casada com Anthony Bartley, piloto da força aérea (1945–1959). Foi coleccionando prémios e honrarias ao longo da sua extensa carreira como actriz, tendo sido nomeada por seis vezes para o Oscar de Melhor Actriz, que nunca ganhou, mas foi-lhe atribuído um Oscar honorário, por ter sido “uma artista de impecável graça e beleza, uma dedicada actriz cuja carreira se pautou sempre pela exigência de perfeição, disciplina e elegância”.
Filha de Kathleen Rose e Arthur Charles Kerr-Trimmer, um capitão veterano que perdeu uma perna durante a I Guerra Mundial, e se dedicaria depois à engenharia civil. Kerr estudou na Northumberland House School, em Henleaze, Bristol, e na Rossholme School, Weston-super-Mare. A sua orientação inicial terá sido o bailado, tendo mesmo aparecido enquanto tal, em 1938, num palco de Sadler's Wells. Mas rapidamente o teatro e o cinema a conquistariam. Teve como primeiro professor de arte dramática um tio, Phyllis Smale, professor na Hicks-Smale Drama School, em Bristol. Surgiu em várias produções teatrais, em muitas encenações de Shakespeare para o Open-Air Theatre, ou o Oxford Playhouse. Em Londres, no West End, no início da década de 40. 
Surge no cinema em obras da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger (numa das suas obras autobiográficas, Powell confessa que ele e Deborah Kerr foram amantes nessa época), e interpretou dezenas e dezenas de filmes, sempre deixando marca da sua beleza, elegância e talento. Nalguns poderia parecer fria e distante, mas noutros deixou vir ao de cima a sua arrojada sensualidade. Alguns actores que com ela contracenaram, como Stewart Granger ou Burt Lancaster, contam como foram seduzidos por esta mulher “The Life and Death of Colonel Blimp”, “Black Narcissus”, “Separate Tables”, “Quo Vadis”, “The Innocents”, “Heaven Knows, Mr. Allison”, “Julius Caesar”, “The King and I”, “An Affair to Remember”, “Tea and Sympathy” ou “From Here to Eternity” são apenas alguns exemplos onde ficou registado o fascínio da sua presença.


Filmografia

Como actriz: 1940: Contraband, de Michael Powell (cena retirada da montagem final); 1941: Major Barbara, de Gabriel Pascal; Love on the Dole, de John Baxter; 1942: Penn of Pennsylvania (Penn, o Fundador da Pensilvânia), de Lance Comfort; Hatter's Castle (O Castelo do Homem sem Alma), de Lance Comfort; The Day Will Dawn, de Harold French; A Battle for a Bottle (curta, de animação); 1943: The Life and Death of Colonel Blimp (A Vida do Coronel Blimp), de Michael Powell e Emeric Pressburger; 1945: Perfect Strangers (Férias de Casamento); 1946: I See a Dark Stranger (A Espia da Irlanda), de Jack Conway; 1947: Black Narcissus (Quando os Sinos Dobram), de Michael Powell e Emeric Pressburger; The Hucksters (Traficante de Ilusões), de Jack Conway; If Winter Comes (Intriga), de Victor Saville; 1949: Edward, My Son (Meu Filho Eduardo), de George Cukor; 1950: Please Believe Me, de Norman Taurog; King Solomon's Mines (As Minas de Salomão), de Compton Bennett; 1951: Quo Vadis (Quo Vadis), de Mervyn LeRoy; 1952: The Prisoner of Zenda (O Prisioneiro de Zenda), de Richard Thorpe; Thunder in the East (Tempestade no Oriente), de Charles Vidor; 1953: Young Bess (Amor de Rainha), de George Sidney; Julius Caesar (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz; Dream Wife (A Esposa Ideal), de Sidney Sheldon; From Here to Eternity (Até à Eternidade), de Fred Zinnemann; 1955: The End of the Affair (O Fim da Aventura), de Edward Dmytryk; 1956: The Proud and Profane (Ela Amou Um Bruto), de George Seaton; The King and I (O Rei e Eu), de Walter Lang (dobrada nas canções por Marni Nixon); Tea and Sympathy (Chá e Simpatia), de Vincente Minnelli; 1957: Heaven Knows, Mr. Allison (O Espírito e a Carne), de John Huston; An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida), de Leo McCarey; Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura) (dobrada nalgumas cenas por Suzy Parker); 1958: Bonjour Tristesse (Bom Dia, Tristeza), de Otto Preminger; Separate Tables (Vidas Separadas), de Delbert Mann; 1959: The Journey (Crepúsculo Vermelho), de Anatole Litvak; Count Your Blessings, de Jean Negulesco; Beloved Infidel, de Henry King; 1960: The Sundowners (Três Vidas Errantes), de Fred Zinnemann; The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de Stanley Donen; 1961: The Naked Edge, de Michael Anderson; The Innocents (Os Inocentes), de Jack Clayton; 1963: ITV Play of the Week (episódio Three Roads to Rome); 1964: On the Trail of the Iguana; The Chalk Garden, de Ronald Neame; The Night of the Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston; 1965: Marriage on the Rocks (Divórcio à Americana), de Jack Donohue; 1966: Eye of the Devil, de J. Lee Thompson; 1967: Casino Royale (Casino Royale), de Val Guest, Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath e Robert Parrish; 1968: Prudence and the Pill, de Fielder Cook; 1969: The Gypsy Moths (Os Paraquedistas), de John Frankenheimer; The Arrangement (O Compromisso), de Elia Kazan; 1982: BBC2 Playhouse (episódio "A Song at Twilight"); Witness for the Prosecution (telefilme); 1984: A Woman of Substance,  de Don Sharp (mini-série de TV); 1985: The Assam Garden, de Mary McMurray; Reunion at Farnborough, de Herbert Wise (telefilme); A Woman of Substance (mini-série de TV); 1986: Hold the Dream, de Don Sharp (telefilme).

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