sexta-feira, 29 de maio de 2015

2 DE JUNHO DE 2015


O DESTINO BATE À PORTA (1946)

James M. Cain, em meados dos anos 40 era seguramente um escritor de romances negros muito popular. Com apenas dois anos de intervalo viu serem adaptadas ao cinema norte-americano três obras suas: “Pagos a Dobrar”, de Billy Wilder (1944),  “Alma em Suplício”, de Michael Curtiz (1945) e “O Destino Bate à Porta”, de Tay Garnett (1946). Mas há mais: em 1943, Luchino Visconti adapta, em Itália, "The Postman Always Rings Twice", com o título de “Obsessão”, na que seria uma das primeiras obras do neo-realismo. E já que falamos de “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, devemos acrescentar que, para lá das versões de Tay Garnett e de Visconti, ainda irá surgir, décadas depois, em 1981, “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, desta feita dirigido por Bob Rafelson, com um outro elenco de luxo, e uma ambiência erótica explosiva: Jack Nicholson, Jessica Lange e John Colicos.
Sobre a versão de 1946, há a dizer que Tay Garnett, o realizador, não era homem para grandes voos. Esta será talvez a sua coroa de glória, o filme que lhe terá trazido maior destaque, ainda que a sua carreira se tenha caracterizado por eficácia narrativa, competência técnica e uma generalizada boa vontade a assumir encomendas de vários géneros. Fez um pouco de tudo, quase sempre bem, mas raras vezes espantou o seu público. Em “The Postman Always Rings Twice” entrou a matar, com uma cena que ficou para sempre a história do cinema como uma das melhores apresentações que se conhece de uma personagem. Falamos do aparecimento de Lana Turner pela primeira vez no filme. Convém precisar:  Frank Chambers (John Garfield), que anda à boleia pelas estradas dos EUA, e tem um problema de pés (“nunca conseguem estar muito tempo no mesmo lugar”), apeia-se numa estação de gasolina à beira da estrada, onde se lê um letreiro equívoco: “Man Wanted”. O dono da estação, Nick Smith (Cecil Kellaway), oferece-lhe boas condições para se instalar como empregado. E quando Frank se encontra pronto a comer um hambúrguer, e discute as condições em que Nick “precisa de um homem” para o seu negócio, eis que rola pelo chão um batom que a câmara de filmar acompanha, subindo depois ao longo de umas esculturais pernas, até se deter no belíssimo rosto de uma loura irresistível. “Man Wanted” também se aplica a Cora Smith(Lana Turner),  esta mulher absolutamente deslocada naquele cenário de poeira e desolação, casada com um atarantado marido, muito mais velho do que ela? Pois é precisamente essa a questão, e Frank Chambers percebe-o desde logo.


Esta é a história de um casal de amantes que resolve livrar-se do marido da mulher, para melhor usufruir da sua paixão. As peripécias são várias, até se chegar a um final onde surge a moralidade do assunto, dando razão ao título, “o carteiro toca sempre duas vezes”. É mais uma incursão de James M. Cain pelos meandros do “romance negro” transferido para o “filme negro”, deixando bem à vista algumas das características do género, sobretudo essa insalubre atmosfera de vício e crime, onde a polícia, ou o detective privado quase não têm papel a desempenhar, rodando tudo à volta de ambições pecaminosas, com personagens algo mórbidas nas suas paixões desenfreadas, reservando-se o papel de “femme fatal” à protagonista que idealiza o crime e instiga o parceiro a cometê-lo com a sua cumplicidade. Nesse aspecto, Lana Turner é perfeita na composição dessa mulher que desperta os mais irresistíveis desejos e que os torna palpáveis e obsessivos, mesmo perante o olhar atento do Código Hays, que deixava passar pouca coisa, mas se via na inevitabilidade de admitir o que era apenas sugerido por um olhar, um gesto, uma palavra aparentemente inócua. A realização de Tay Garnett claro que não é isenta neste adensar de impulsos libidinais, mas é sobretudo a interpretação de John Garfield e Lana Turner que torna irrespirável de sensualidade esta obra particularmente significativa de um género e de uma época. Cecil Kellaway, Hume Cronyn e Leon Ames acompanham este tórrido romance com composições à altura. Refiram-se ainda a música de George Bassman e a fotografia de Sidney Wagner, na definição de ambientes e na criação desse clima de um erotismo ardente. Um beijo de Lana Turner e John Garfield vale bem por mil palavras e tornava inoperante qualquer tentativa de actividade censória – afinal não se trata mais do que de um beijo, cronometricamente controlado segundo os ditames do código. Tudo segundo as regras, com excepção da intensidade colocada pelos actores.

O DESTINO BATE À PORTA
Título original: The Postman Always Rings Twice
Realização: Tay Garnett (EUA, 1946); Argumento: Harry Ruskin, Niven Busch, segundo romance de James M. Cain (The Postman Always Rings Twice); Produção: Carey Wilson; Música: George Bassman; Fotografia (p/b): Sidney Wagner; Montagem: George White; Direcção artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Maquilhagem: Jack Dawn; Guarda-roupa:  Irene, Marion Herwood Keyes, Eugene Joseff, Helen Scovil Roup; Direcção de Produção:  Harry Poppe;  Assistente de realização: Bill Lewis; Departamento de arte: Frank Wesselhoff; Som: Douglas Shearer; Efeitos visuais: Mark Davis, A. Arnold Gillespie, Warren Newcombe; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Lana Turner (Cora Smith), John Garfield (Frank Chambers), Cecil Kellaway (Nick Smith), Hume Cronyn (Arthur Keats), Leon Ames (Kyle Sackett), Audrey Totter (Madge Gorland), Alan Reed (Ezra Liam Kennedy), Jeff York (Blair), Philip Ahlm, John Alban, Don Anderson, Morris Ankrum, King Baggot, Betty Blythe, Paul Bradley, Wally Cassell, Jack Chefe, Dick Crockett, Oliver Cross, James Darrell, Tom Dillon, Edward Earle, Jim Farley, Joel Friedkin, A. Cameron Grant, William Halligan, Bud Harrison, Frank Mayo, Harold Miller, Howard M. Mitchell, Edgar Sherrod, Reginald Simpson, Brick Sullivan, John M. Sullivan, Charles Williams, etc. Duração:113 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 20 de Julho de 1947.


LANA TURNER (1921 - 1995)
Lana Turner integra-se perfeitamente na mitologia de Hollywood, sendo um dos seus casos mais célebres. Foi, durante 20 anos, uma das actrizes de maior sucesso da MGM e a sua vida foi um contínuo escândalo. Casou oito vezes, com sete maridos, a saber: o músico Artie Shaw (1940–1942), o escritor Stephen Crane (1942–1943, 1943–1944), o milionário Henry J. Topping (1948–1952), o actor Lex Barker (1953–1957), Fred May (1960–1962), o produtor Robert Eaton (1965–1969) e o hipnotizador Ronald Dante (1969–1972). Mas manteve histórias escaldantes com muitos outros: Victor Mature, Howard Hughes, Gene Krupa, Robert Stack, Tony Martin, Clark Gable, Fernando Lamas, Peter Lawford e Rex Harrison, entre outros. Ao que consta, o grande amor da sua vida foi Tyrone Power, com quem nunca casou.
Julia Jean Mildred Frances Turner, conhecida por Lana Turner, nasceu a 8 de Fevereiro de 1921, em Wallace, Idaho, EUA, e faleceu, aos 74 anos, em Century City, Los Angeles, EUA, a 29 de Junho de 1995. Filha de Mildred Frances Cowan e John Virgil Turner, quando tinha apenas 10 anos o pai foi assassinado numa rua de San Francisco. Lana foi colocada numa instituição religiosa, depois voltou para junto da mãe, em Los Angeles. Diz a lenda que um jornalista do “Hollywood Reporter”, Billy Wilkerson, a descobriu em 1935, a comer um gelado, no "Top Rat Café", frente à Hollywood Highschool, onde cursava dactilografia. Sugeriu-lhe que fizesse um teste para os agentes de Zeppo Marx. Começou como figurante, mas com a ajuda do realizador Mervyn LeRoy, célebre por descobrir talentos, torna-se rapidamente conhecida e uma vedeta, sobretudo entre os adolescentes que adoravam os seus “pullovers”, justíssimos, que lhe modelavam as formas. Continuou ligada a Mervyn LeRoy, trocando a Warner Bros pela Metro-Goldwyn-Mayer, para acompanhar o mestre. Cursou dicção, arte dramática e dança na Little Red School House, escola da MGM, juntamente com Judy Garland e Mickey Rooney, com quem filma uma das aventuras de Andy Hardy, em 1938. Louis B. Mayer percebe que ela vai ter de substituir o sex symbol da companhia, Jean Harlow. “Folies Ziegfeld”, de Robert Z. Leonard, é o seu primeiro grande sucesso, logo seguido por tantos outros: “Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, de Victor Fleming, “Johnny Eager”, de Mervyn LeRoy, “Weekend at the Waldorf”, de Robert Z. Leonard, “The Postman Always Rings Twice”, de Tay Garnett, “The Three Musketeers”, de George Sidney, “The Bad and the Beautiful”, de Vincente Minnelli, “The Merry Widow”, de Curtis Bernhardt, “Flame and the Flesh”, de Richard Brooks, “The Rains of Ranchipur”, de Jean Negulesco, “Peyton Place”, de Mark Robson, “Imitation of Life”, de Douglas Sirk, ou “Madame X”, de David Lowell Rich. Na televisão, apareceu em “Falcon Crest” e “The Love Boat”.
Mas a sua vida não foram só sucessos: em Abril de 1958, a sua filha Cheryl Crane, de 14 anos, assiste a uma violenta discussão da mãe com o amante dessa altura, o gangster Johnny Stompanato, e, para defender a mãe, apunhala o agressor. O caso torna-se escândalo nas revistas rosa e todos pensam que a carreira de Lana Turner pode estar arruinada para sempre. Mais uma vez renasce, num melodrama belíssimo de Douglas Sirk, “Imitation of Life”. Morre em 1995, vítima de cancro na laringe.


Filmografia:
1937: A Star is Born (Nasceu uma Estrela), de William A. Wellman (figurante); They Won't Forget (Esquecer, Nunca!), de Mervyn LeRoy (não creditado); Topper (O Par Invisível), de Norman Z. McLeod; The Great Garrick (O Grande Garrick), de James Whale; 1938: Love Finds Andy Hardy (Andy Hardy Apaixona-se), de Mervyn LeRoy; The Chaser, de Edwin L. Marin (cenas cortadas); Dramatic School (Ânsia de Vencer), de Robert B. Sinclair; The Adventures of Marco Polo (As Aventuras de Marco Polo), de Archie Mayo; Four's a Crowd (Quatro São Demais), de Michael Curtiz (não creditado); Rich Man, Poor Girl, de Reinhold Schunzel ; 1939: Calling Dr Kildare (Chamam o Dr. Kildare), de Robert Z. Leonard; These Glamour Girls (Meninas da Alta Roda), de S. Sylvan Simon; Dancing Co-Ed (Abc da Folia), de S. Sylvan Simon; 1940: Two Girls on Broadway (Curvas Perigosas), de Mervyn LeRoy; We Who Are Young (A Força dos Novos), de Harold S. Bucquet; 1941: Honky Tonk (Honky Tonk, a Cidade em Delírio), de Jack Conway; Ziegfeld Girl (Sonho de Estrela), de Robert Z. Leonard; Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro), de Victor Fleming; 1942: Somewhere til find you (Tempestade no Pacífico), de Wesley Ruggles; Johnny Eager (Vidas Queimadas), de Mervyn LeRoy; 1943: Slightly dangerous (Ligeiramente Perigosa), de Wesley Ruggles; Du Barry was a Lady (Du Barry Era uma Senhora), de Roy Del Ruth; The Youngest Profession (Na Pista das Estrelas), de Edward Buzzell; 1944: Marriage is a Private Affair (O Amor Vem Depois), de Robert Z. Leonard; 1945: Keep Your Powder Dry (Éramos Três Camaradas), de Edward Buzzell; Weekend at the Waldorf (Fim-de-Semana no Waldorf), de Robert Z. Leonard; 1946: The Postman Always Rings Twice (O Destino Bate à Porta), de Tay Garnett; 1947: Cass Timberlane (As Duas Idades do Amor), de George Sidney; Green Dolphin Street (A Rua do Delfim Verde), de Victor Saville; 1948: The Three Musketeers (Os Três Mosqueteiros), de George Sidney; Homecoming (A Rival), de Mervyn LeRoy; 1950: A Life of Her Own (Seguirei o Meu Destino), de George Cukor; 1951: Mr. Imperium (É Proibido Amar), de Don Hartman; 1952: The Bad and the Beautiful (Cativos do Mal), de Vincente Minnelli; The Merry Widow (A Viúva Alegre), de Curtis Bernhardt; 1953: Latin Lovers (Meu Amor Brasileiro), de Mervyn LeRoy; 1954: Betrayed (Atraiçoada), de Gottfried Reinhardt; Flame and the Flesh (Conflito de Paixões), de Richard Brooks; 1955: The Rains of Ranchipur (As Chuvas de Ranchipur), de Jean Negulesco; The Sea Chase (A Raposa dos Mares), de John Farrow; 1955: The Prodigal (O Filho Pródigo), de Richard Thorpe; 1956: Diane (Diana de França), de David Miller; 1957: Peyton Place (Amar Não é Pecado), de Mark Robson; 1958: The Lady Takes a Flyer (Amor nas Nuvens), de Jack Arnold; Another Time, Another Place (O Amor Que Roubei), de Lewis Allen; 1959: Imitation of Life (Imitação da Vida), de Douglas Sirk; 1960: Portrait in Black (Moldura Negra), de Michael Gordon; 1961: Bachelor in Paradise (Um Solteirão no Paraíso), de Jack Arnold; By Love Possessed (A Posse do Amor), de John Sturges; 1962: Who's Got the Action? (As Loucuras do Meu Marido), de Daniel Mann; 1965: Love has Many Faces (O Amor Tem Muitas Faces), de Alexander Singer; 1966: Madame X (Madame X), de David Lowell Rich; 1969: The Big Cube, de Tito Davison; 1969-70: The Survivors (série de TV); 1971: The Last of the Powerseekers (TV); 1974: Persecution, de Don Chaffey, The Graveyard, de Don Chaffey; 1976: Bittersweet Love, de David Miller; 1980: Witches Brew, de Richard Shorr; 1982: Dead Men Don't Wear Plaid (Cliente Morto Não Paga a Conta), de Carl Reiner; 1982-83: Falcon Crest (série de TV); 1985: The Love Boat (série de TV); 1991: Thwarted, de Jeremy Hummer.

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