segunda-feira, 3 de agosto de 2015

21 DE JULHO DE 2015


O ACOSSADO (1960)

“À Bout de Souffle”, de Jean-Luc Godard, é um dos filmes iniciais do movimento “Nouvelle Vague” surgido em França, entre o final da década de 50 e o início da seguinte, tendo como base a equipa de jovens críticos e teóricos que escreviam na revista “Cahiers du Cinema” e que tinham como patrono André Bazin. Juntamente com “Le Beau Serge”, de Claude Chabrol, e “Les Quatre Cents Coups”, de François Truffaut, estes foram os tiros que anunciaram a arrancada de um movimento que marcou sobremaneira a História do Cinema mundial. Outros autores houve anteriormente, como Roger Vadim, com “Deus Criou a Mulher”, que contribuíram para o sucesso deste movimento, mas terá sido entre 1959 e 1960 que o surto conheceu o seu maior ímpeto. Além de Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e François Truffaut, os “Cahiers” contavam ainda com muitos outros nomes que se associaram à Nouvelle Vague”, como Jacques Rivette, Eric Rohmer ou Jacques Doniol-Valcroze, além de outros que se lhe juntaram como Agnès Varda ou Alain Resnais.
A intenção primeira deste grupo era lutar contra o cinema predominante em França por essa altura, durante a V República Degauleana, saída do pós-guerra, combatendo o por eles chamado “Cinema de Papa”, onde pontificavam nomes como os dos realizadores Jean Delannoy, Christian-Jacque, Jean-Paul Le Chanois ou Gilles Grangier, ou dos argumentistas Aurenche e Bost, que eram tidos como académicos e entediantes. Do passado, os jovens turcos dos “Cahiers” retinham Jean Renoir, Robert Bresson, Jacques Tati, Jean Vigo e pouco mais. Retinham realmente o muito bom, mas por vezes foram algo injustos com a geração antecedente, onde é possível ressalvar obras muito interessantes. Mas para impor o seu conceito de um novo cinema, era necessário arrasar o campo e miná-lo. Foi o que fizeram com algum sucesso. Tempos depois, alguns deles estavam completamente esquecidos, mas o reduto forte impôs-se internacionalmente.
“O Acossado” mantém-se como uma das referências maiores deste movimento e Jean-Luc Godard um dos seus arautos. Partindo de uma ideia de François Truffaut, rodado em menos de quatro semanas em Paris, grande parte em exteriores, num preto e branco de quase reportagem, ostenta um elenco onde sobressai apenas uma actriz com nome já feito, a norte-americana Jean Seberg, ao lado de jovens como Jean-Paul Belmondo, e de personalidades não-actores como Daniel Boulanger, Jean-Pierre Melville, Henri-Jacques Huet, Van Doude, Claude Mansard, Richard Balducci, Roger Hanin, o próprio Jean-Luc Godard (no papel de um denunciante), Liliane Robin, Liliane Davi, Michel Fabre, André S. Labarthe, François Moreuil, Gérard Brach, Philippe de Broca, José Bénazéraf, Jean Domarchi, Jean Douchet, Raymond Huntley, Louiguy, Michel Mourlet, Guido Orlando, Madame Paul, Raymond Ravanbaz, Jean-Louis Richard, Jacques Serguine, Jacques Siclier, Virginie Ullmann, Emile Villion, etc. Jornalista, críticos de cinema, futuros realizadores, escritores, enfim, um elenco de amigos e cúmplices.
Em 1968, Godard revelava: “Quando filmei “O Acossado”, pensava que fazia algo de muito preciso. Eu realizava um thriller, um filme de gangsters. Quando o vi pela primeira vez, compreendi que havia feito algo totalmente diferente. Eu pensava que filmava o filho de Scarface ou o retorno de Scarface, e compreendi que havia feito “Alice no País das Maravilhas”, mais ou menos”.


Na verdade, “O Acusado” procura funcionar como um filme negro, um género de que os franceses dos “Chaiers” muito apreciavam, sobretudo os série B norte-americanas. Esses filmes ofereciam um curioso retrato da sociedade e apareciam nimbados por um clima de poética tragédia que fazia (e faz ainda) a delícia de muitos cinéfilos. Esta é a história de um criminoso, Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) que se apaixona por Patricia Franchini (Jean Seberg), uma jovem estudante norte-americana aspirante a jornalista. Michel chega a Paris depois de ter roubado um carro a um militar americano em Marselha, na fuga mata um polícia e na cidade luz encontra Patricia, que já conhecia anteriormente e que vende o “New York Herald Tribune” nos Champs-Élysées. Michel quer receber algum dinheiro que lhe devem e partir para Roma, levando consigo Patricia. Mas os jornais começam a trazer a sua fotografia nas primeiras páginas, procurado como sendo o assassino do polícia, e um denunciante (Jean-Luc Godard) entrega-o às autoridades, que o perseguem e abatem, no cruzamento da Rue Campagne-Première e do Boulevard Raspail, numa cena que hoje funciona como um dos ícones da Nouvelle Vague.
A narrativa é solta, sincopada, não respeita as regras tradicionais do cinema convencional na época, a liberdade de escrita é total (contam que Godard escrevia à noite as cenas do dia seguinte e só as apresentava aos actores no momento em que as iam rodar, para manter a frescura e a espontaneidade), e o resultado foi uma verdadeira revolução que para sempre ia alterar as regras mais académicas da linguagem. A câmara surge solta, com filmagens à mão, o que não era vulgar nessa altura, com enquadramentos estranhos, movimentos súbitos, não respeitando muitas vezes as chamadas “ligações” harmoniosas do “raccord”, a fotografia (de Raoul Coutard, que depois se iria revelar um dos maiores directores de fotografia franceses) apresenta igualmente as irregularidades e o grão de um certo improviso, e a interpretação vive de uma sinceridade e espontaneidade que surpreendem. Estamos nos domínios do “cinema novo”, que irá explodir um pouco por todo o mundo, provocando “novas ondas” na Europa Ocidental e de Leste, na América Latina, na Ásia, em África…
“À Bout de Souffle” iria ganhar o Urso de Prata do Festival de Berlim para “melhor realizador”. Algumas décadas depois (1983), nos EUA, Jim McBride realiza um remake da obra de Godard, “O Último Fôlego (“Breathless", no original), com Richard Gere e Valérie Kaprisky, no romântico par protagonista.

O ACOSSADO
Título original: À Bout de Souffle
Realização: Jean-Luc Godard (França, 1960); Argumento: François Truffaut e Jean-Luc Godard; Consultor: Claude Chabrol; Produção: Georges de Beauregard; Música: Martial Solal; Fotografia (p/b): Raoul Coutard; Montagem: Cécile Decugis; Maquilhagem: Phuong Maittret; Assistentes de realização: Pierre Rissient; Departamento de arte: Clément Hurel; Som: Jacques Maumont; Companhias de produção: Les Films Impéria, Les Productions Georges de Beauregard, Société Nouvelle de Cinématographie (SNC); Intérpretes: Jean Seberg (Patricia Franchini), Jean-Paul Belmondo (Michel Poiccard / Laszlo Kovacs), Daniel Boulanger (Inspector Vital), Henri-Jacques Huet (Antonio Berrutti), Roger Hanin (Carl Zubart), Van Doude (o próprio), Claude Mansard (Claudius Mansard), Liliane Dreyfus (Liliane / Minouche), Michel Fabre (Inspector), Jean-Pierre Melville (Parvulesco, o escritor), Jean-Luc Godard (o denunciante), Richard Balducci (Tolmatchoff), André S. Labarthe (Jornalista), François Moreuil (Jornalista), Liliane Robin (Minouche), Gérard Brach (fotógrafo), Philippe de Broca (Jornalista), José Bénazéraf (homem de casaco branco), Jean Domarchi (bêbado), Jean Douchet (Jornalista), Raymond Huntley (Jornalista), Louiguy, Michel Mourlet, Guido Orlando, Madame Paul, Raymond Ravanbaz, Jean-Louis Richard (Jornalista), Jacques Serguine, Jacques Siclier, Virginie Ullmann, Emile Villion, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 23 de Abril de 1970. 


JEAN SEBERG (1938-1979)
Jean Seberg foi uma das imagens da rebeldia juvenil (e particularmente feminina) no cinema dos anos 60, particularmente nos EUA e França. Depois de ter sido Joana d’Arc assumiu a silhueta de jovem de cabelos curtos, miudinha de estatura, inquieta de olhar, fogosa de atitude, inquieta e revoltada, ela foi heroína de Sagan, de Godard, e a inesquecível “Lilith” roçando a esquizofrenia.   
Nascida a 13 de Novembro de 1938, em Marshalltown, EUA, Jean Dorothy Seberg viria a falecer, muito jovem, com 40 anos de idade, a 30 de Agosto de 1979, em Paris, França. Filha de uma professora, Dorothy Benson, e de um farmacêutico, Edwards Seberg, desde nova que se interessou pela representação, sobretudo por causa de Marlon Brando, que viu em “O Desesperado” (1950). Frequentou a universidade de Iowa, e, em 1957, fez teste para o filme de Otto Preminger, “Santa Joana”. Foi a escolhida para protagonista entre 18 000 candidatas.Com o mesmo realizador roda “Bonjour tristesse”, segundo romance de Françoise Sagan, e o sucesso é imediato. É capa dos “Cahiers du cinema” e torna-se um rosto da nova geração de actores e de um tipo de actor com uma intervenção política invulgar, aparecendo muito associada ao movimento dos “Black Panthers”. Aos 14 anos, adere ao NAACP (National Association for the Advancement of Colored People) e, anos depois, estabelece uma relação com um dos mais cotados militantes dos Black Panthers e presidente da Organização de Unidade Afro-Americana, Hakim Abdullah Jamal, que abandona a família para a seguir para Paris. O FBI começa a controlar os seus movimentos, começando igualmente a desacreditá-la com base em boatos. Entretanto, Jean Seberg divide-se entre os EUA e a França, onde roda “À Bout de Souffle”, que ajuda a consolidar uma carreira invulgar, tornando-se um dos símbolos da “Nouvelle Vague”. Outro dos grandes sucessos desta actriz foi “Lilith”, de Robert Rossen, uma obra-prima sobre uma mulher psicologicamente atormentada. A crítica disse na altura que Jean Seberg “não interpretava Lilith, ela era Lilith”.
Com uma vida sentimental muito tumultuosa, foi casada várias vezes: com o actor, realizador e produtor François Moreuil (1958 - 1960), como o escritor Romain Gary (1962 - 1970), com o realizador Dennis Berry (1972 - 1978), finalmente com Ahmed Hasni, argelino, que se apresentava como seu agente, mas que era igualmente traficante de droga (1979 - 1979). Conhecem-se ainda algumas outras relações extramatrimoniais, como a que Romain Gary suspeitou ter havido com Clint Eastwood, durante a rodagem de “Paint your Wagon” e que levou o escritor a deslocar-se aos EUA para desafiar o actor para um duelo, o que este recusou.
A instabilidade emocional de Jean Seberg era manifesta nos últimos anos de vida. François Truffaut escolhera-a para o papel de Julie, em “La Nuit Américaine”, mas ela nunca respondeu e o papel foi parar a Jacqueline Bisset. Em 30 de Agosto de 1979, desapareceu. O seu companheiro de então, Ahmed Hasni, declarou que ela saíra de casa nua, apenas com um casaco, com uma garrafa de água. O corpo foi encontrado a 8 de Setembro, envolto num casaco, no interior do seu Renault branco, estacionado perto da sua casa. Na mão tinha uma mensagem para o filho, Diego. A autópsia indica que foi vítima de uma dose excessiva de barbitúricos, mas também de álcool. O inquérito policial indicou suicídio, mas o mistério manteve-se e as dúvidas acumularam-se até hoje. Foi enterrada no cemitério de Montparnasse. Pouco depois da morte de Seberg, o seu segundo marido, Romain Gary, pai de Alexandre Diego, suicidou-se, deixando uma mensagem afirmando que “o mesmo não ter qualquer relação como a morte da actriz”.


Filmografia
Como actriz: 1957: Saint Joan(Santa Joana), de Otto Preminger; 1958: Bonjour tristesse (Bom dia, Tristea), de Otto Preminger; 1959: The Mouse That Roared (O Rato Que Ruge), de Jack Arnold; 1960: Let no man write my epitaph (Em Busca do Amanhã), de Philip Leacock; La Récréation, de François Moreuil e Fabien Collin; À bout de souffle (O Acossado), de Jean-Luc Godard; 1961: Les Grandes Personnes (Uma História de Amor), de Jean Valère; L'Amant de cinq jours, de Philippe de Broca; Congo vivo, de Giuseppe Bennati; 1963: In the french style (Uma Americana em Paris), de Robert Parrish; 1964: Lilith (Lilith e o Destino), de Robert Rossen; Les Plus Belles Escroqueries du monde (As Mais Belas Vigarices do Mundo), sketch “Le Grand Escroc”, de Jean-Luc Godard; Échappement libre (Escape livre), de Jean Becker; 1965: Moment to moment (Momento a Momento) de Mervyn Le Roy; Un milliard dans un billard (Bettina), de Nicolas Gessner; 1966: L'Homme à la tête fêlée (A Malandro Encantador), de Irvin Kershner; 1966: La Ligne de démarcation (A Linha de Demarcação), de Claude Chabrol; 1967: Estouffade à la Caraïbe (Alta Tensão nas Caraíbas), de Jacques Besnard; La Route de Corinthe (A Estrada de Corinto), de Claude Chabrol; 1968: Les oiseaux vont mourir au Pérou, de Romain Gary; 1969: Pendulum (Pêndulo), de George Schaefer; Paint Your Wagon (Os Maridos de Elizabeth), de Joshua Logan; 1970: Airport (Aeroporto), de George Seaton; Ondata di calore) de Nelo Risi; Macho Callahan (Macho Callahan), de Bernard Kowalski; 1971: Questa specie d'amore, de Alberto Bevilacqua; 1972: Police Magnum (Kill - Para quem não pode haver piedade), de Romain Gary; 1972: L'Attentat (O Atentado), de Yves Boisset; 1972: Camorra (Camorra), de Pasquale Squitieri; 1973: La corrupcion de Chris Miller (A Casa que Pingava Sangue), de Juan-Antonio Bardem; 1974: Cat and Mouse (O Gato e o Rato), de Daniel Petrie (TV); Les Hautes Solitudes, de Philippe Garrel; Ballad for Billy the Kid, curta-metragem, de Jean Seberg; Bianchi cavalli d'agosto, de Raimondo Del Balzo; 1975: Le Grand Délire (O grande delírio), de Denis Berry; 1976: Die wildente, de Hans W. Geißendörfer; 1978: Le Bleu des origines, de Philippe Garrel; 1979: La légion saute sur Kolwezi. de Raoul Coutard (cena cortada na montagem final).

Como realizadora: 1974: Ballad for Billy the Kid. 

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