segunda-feira, 3 de agosto de 2015

5 DE AGOSTO DE 2015


IRMA LA DOUCE (1963)

Billy Wilder é definitivamente um dos maiores realizadores que cresceram no cinema norte-americano. Nascido ainda no tempo do Império Austro-húngaro, em 1906, numa localidade que hoje pertence à Polónia, e falecido em Los Angeles em 2002, Billy Wilder parecia destinado a uma carreira de advogado em Viena, quando foi apanhado pelo jornalismo, viajando depois para Berlim. Começou a carreira no cinema como argumentista, e, tendo em conta a sua ascendência judaica, achou melhor emigrar depois de Hitler chegar ao poder. Em Hollywood, apesar de não dominar o inglês, vingou rapidamente, inicialmente a escrever argumentos com Charles Brackett. Foram autores de comédias como “Ninotchka” (1939) ou “Bola de Fogo” (1941). A carreira prosseguiu sempre com obras de reconhecida valia, como “Cinco Covas no Egipto” (1943), “Pagos a Dobrar” (1944) “Farrapo Humano” (1945), “Crepúsculo dos Deuses” (1950), “O Grande Carnaval” (1951), “O Pecado Mora ao Lado” (1955), “Quanto Mais Quente Melhor” (1959), “O Apartamento” (1960) ou “Irma La Douce” (1963) todas elas com vários prémios no activo e sendo consideradas das melhores que a cinematografia mundial produziu nesse período.
Bateu-se bem em quase todos os géneros, marcando uma sólida posição de autor, mas foi na comédia que terá levado mais longe algumas das suas características, um humor cáustico, irreverente para com as instituições, moralmente cínico, algo perverso, mesmo quando o fundo é de uma invejável moralidade. Bom-vivant, isso mesmo fica testemunhado nas suas películas, onde se enfatizam os prazeres da vida. “Irma, La Douce” é um bom exemplo.
O argumento é do próprio Billy Wilder, de colaboração com I.A.L. Diamond, que adaptam uma peça teatral de Alexandre Breffort. Como em muitas outras obras de Billy Wilder, esta é uma história que vive do disfarce, de alguém a fazer-se passar por outro. A acção passa-se em Paris, num bairro popular, uma rua bem povoada de prostitutas, um café/taberna onde se encontram os chulos a jogar enquanto esperam que as raparigas lhes tragam da rua a mesada, uma pensão de grande rotação, a azáfama de todos os dias e de todas as noites, os polícias de giro que fecham os olhos e arrecadam as gorjetas no chapéu deixado sobre o banco, tudo a correr sobre rodas até ao dia em que aparece um novo polícia, Nestor Patou (Jack Lemmon), que desconhece as regras do jogo e resolve actuar segundo os regulamentos e a moral instituída. Claro que não resulta bem, será expulso da polícia e, com alguma sorte pelo seu lado, acaba por ser designado o nº 1 da associação dos chulos do bairro e terá como prémio Irma, La Douce, a prostituta preferida da zona. Mais coisa, menos coisa e muitos ciúmes pelo meio, Nestor acaba por se transformar em Lord X, que todas as semanas desce de Londres à cidade para estar com Irma e ofertar-lhe 500 francos a troco de um jogo de cartas por noite. Não interessa aprofundar mais a intriga, este início já dá para perceber que não é pelas boas práticas que se chega ao céu e há que saber viver numa sociedade onde todos traficam. Só não evolui na vida quem não se adapta às normas vigentes, que não são morais, nem justas, mas são as que há e as que melhor rendem no mercado. O ingénuo bem-intencionado é expulso desta sociedade, mas se resolve aderir aos maus costumes passa a number one.


A crítica de Billy Wilder não pode ser mais contundente, o seu humor é deliciosamente perverso, a direcção do filme desenvolve um cómico de situação e de diálogo cheio de subtendidos, mas sempre de uma elegância e subtileza de realçar. Todo o quadro de Paris boémio é magnífico de autenticidade, apesar de rodado quase sempre em estúdio, nos EUA, e a construção de personagens e de situações, deliciosa. Há um gag, um entre muitos possíveis de citar, memorável. O dono do café, sempre que há uma troca de argumentos mais violenta, vai buscar o sifão para reanimar o cliente entorpecido, lançando-lhe um jacto de água à distância. A prática torna-se de tal forma vulgar que às tantas já são os clientes a servirem-se do sifão. De resto, a engenhosa troca de Nestor por Lord X, com recurso a um elevador monta-cargas é igualmente deliciosa. Uma grande comédia que permite aos actores trabalhos condizentes. Jack Lemmon é, como sempre, brilhante, ele que foi um fiel colaborador de Wilder, e Shirley MacLaine mostra-se num dos grandes papéis da sua carreira. Aqui merecedor de mais uma nomeação para o Oscar de Melhor Actriz. Uma notável comédia de um mestre.

IRMA LA DOUCE
Título original: Irma la Douce
Realização: Billy Wilder (EUA; 1963); Argumento: Billy Wilder, I.A.L. Diamond, segundo peça de teatro de Alexandre Breffort; Produção: Edward L. Alperson, I.A.L. Diamond, Doane Harrison, Billy Wilder, Alexandre Trauner; Música: André Previn; Fotografia (cor): Joseph LaShelle; Montagem: Daniel Mandell; Casting: Lynn Stalmaster; Direcção artística: Alexandre Trauner; Decoração: Maurice Barnathan, Edward G. Boyle; Guarda-roupa: Orry-Kelly; Maquilhagem: Emile LaVigne, George Masters, Alice Monte, Harry Ray, Frank Westmore; Direcção de Produção: Allen K. Wood; Assistentes de realização: Hal W. Polaire, Christian Ferry; Departamento de arte: Frank Agnone, Arden Cripe, Hub Braden, Harold Michelson; Som: Gilbert D. Marchant, Robert Marti; Efeitos especiais: Milt Rice; Companhias de produção: The Mirisch Corporation, Phalanx Productions; Intérpretes: Jack Lemmon (Nestor Patou / Lord X), Shirley MacLaine (Irma La Douce), Lou Jacobi (Moustache), Bruce Yarnell (Hippolyte), Herschel Bernardi (Insp. Lefevre), Hope Holiday (Lolita), Joan Shawlee (Amazon Annie), Grace Lee Whitney (Kiki, a cossaca), Paul Dubov (Andre), Howard McNear, Cliff Osmond, Diki Lerner, Herb Jones, Ruth Earl, Jane Earl, Tura Satana, Lou Krugman, James Brown, Bill Bixby, John Alvin, Susan Woods, Harriette Young, Sheryl Deauville, Billy Beck, Jack Sahakian, Edgar Barrier, James Caan (soldao com rádio), Don Diamond, Paul Frees, Joe Gray, Louis Jourdan (Narrador), Ralph Moratz, Moustache, Doye O'Dell, Joe Palma, Richard Peel, etc. Duração: 147 minutos; Distribuição em Portugal: MGM (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 27 de Junho de 1974.


SHIRLEY MACLAINE (1934 - ?)
Shirley MacLaine, cujo nome de baptismo é Shirley MacLean Beaty, nasceu a 24 de Abril de 1934, em Richmond, Virginia, EUA. Filha de Ira Owens Beaty, um músico de origem irlandesa, e de Kathlyn Corinne MacLean, bailarina canadiana; irmã do actor e realizador Warren Beatty; casada, desde 1954 até 1982, com o realizador e produtor Steve Parker, Shirley iniciou-se como aluna de bailado na Washington School of Ballet. Diplomada, passou a viver em Nova Iorque, onde começa a aparecer em musicais da Broadway, como no sucesso de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II, "Me and Juliet" e, seguidamente, em "The Pajama Game", sendo posteriormente convidada pelo produtor Hal B. Wallis para viajar até Hollywood, onde se estreia em “O Terceiro Tiro”, de Alfred Hitchcock (1955). Surge noutros filmes, como na superprodução “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” (1956), ou no excelente “Deus Sabe Quanto Amei”, de Minnelli (1958), onde recebe a primeira nomeação para o Oscar de Melhor Actriz. Em 1960, volta a ser nomeada por “O Apartamento”, e pouco depois, terceira nomeação por “Irma la Douce” (1963). In 1969, dirigida pelo amigo Bob Fosse, interpreta um musical, “Sweet Charity - A Rapariga que Queria Ser Amada”. Estreia-se como realizadora em 1975, com um documentário, rodado na China, “ The Other Half of the Sky: A China Memoir”, que é nomeado para o Oscar da categoria. Como actriz, nova nomeação em 1977, com “A Grande Decisão”. Finalmente ganha o Oscar de Melhor Actriz com “Laços de Ternura” (1983), e arrebata o Festival de Veneza com “Madame Sousatzka, a Professora” (1988). Depois de muitos outros sucessos, regressa à realização em 1998, com uma ficção, “Bruno” (2000). Entretanto, apareceu em diversas séries de televisão e telefilmes. Em 2015 tem em pré-produção alguns trabalhos. Shirley conta com uma Estrela no Hall of Fame, de Hollywood, em 1615 Vine Street.


Filmografia:
Como Actriz / Cinema: 1955: The Trouble with Harry (O Terceiro Tiro), de Alfred Hitchcock; Artists and Models (Pintores e Raparigas), de Frank Tashlin; 1956: Around the World in Eighty Days (A Volta ao Mundo em 80 Dias), de Michael Anderson; 1958: The Sheepman (O Irresistível Forasteiro), de George Marshall; The Matchmaker (Viva o Casamento), de Joseph Anthony; Hot Spell (Feitiço Ardente), de Daniel Mann; Some Came Running (Deus Sabe Quanto Amei), de Vincente Minnelli; 1959: Ask Any Girl (O Que Elas Querem é Casar), de Charles Walters; Career (Os Caminhos da Ambição), de Joseph Anthony; 1960: Can-Can (Can-Can), de Walter Lang; The Apartment (O Apartamento), de Billy Wilder; Ocean's Eleven (Os Onze de Oceano), de Lewis Milestone; 1961: All in a Night's Work (A História daquela Noite), de Joseph Anthony; Two Loves (Dois Amores), de Charles Walters; The Children's Hour (A Infame Mentira), de William Wyler; 1962: My Geisha (A Minha Gueixa), de Jack Cardiff; Two for the Seesaw (Baloiço Para Dois), de Robert Wise; 1963: Irma la douce (Irma la Douce), de Billy Wilder; 1964: What a Way to Go ! (Ela e os Seus Maridos), de J. Lee Thompson; The Yellow Rolls-Royce (O Rolls-Royce Amarelo), de Anthony Asquith; 1965: John Goldfarb, Please Come Home (Um Americano no Harém), de J. Lee Thompson; 1966: Gambit (Ladrão Roubado), de Ronald Neame; 1967: Woman Times Seven (Sete Vezes Mulher), de Vittorio de Sica; 1968: The Bliss of Mrs. Blossom (A Felicidade da Senhora Blossom), de Joseph McGrath; 1969: Sweet Charity (Sweet Charity - A Rapariga que Queria Ser Amada), de Bob Fosse; 1970: Two Mules for Sister Sara (Os Abutres Têm Fome), de Don Siegel; 1971: Desperate Characters (Um Casal Desesperado), de Frank D. Gilroy; 1972: The Possession of Joel Delaney (A Obsessão de Joel Delaney), de Waris Hussein; 1977: The Turning Point (A Grande Decisão), de Herbert Ross; 1979: Being There (Bem-Vindo Mr. Chance), de Hal Ashby; 1980: Loving Couples (Amigos e Amantes), de Jack Smight; A Change of Seasons (A Aluna e o Professor), de Richard Lang; 1983: Terms of Endearment (Laços de Ternura), de James L. Brooks; 1984: Cannonball Run II (A Corrida Mais Louca do Mundo II), de Hal Needham; 1988: Madame Sousatzka (Madame Sousatzka, a Professora), de John Schlesinger; 1989: Steel Magnolias (Flores de Aço), de Herbert Ross; 1990: Waiting for the Light, de Christopher Monger; Postcards from the Edge (Recordações de Hollywood), de Mike Nichols; 1992: Used People (Um Certo Outono), de Beeban Kidron; 1993: Wrestling Ernest Hemingway), de Randa Haines; 1994: Guarding Tess (O Agente Secreto), de Hugh Wilson; 1996: Mrs. Winterbourne (O Comboio do Destino), de Richard Benjamin; The Evening Star (Lágrimas ao Entardecer), de Robert Harling; 1997: A Smile Like Yours (Bebé por Encomenda), de Keith Samples; 2000: Bruno, de Shirley MacLaine; 2003: Carolina, de Marleen Gorris; 2005: Bewitched (Casei com uma Feiticeira), de Nora Ephron; In Her Shoes (Na Sua Pele), de Curtis Hanson; Rumor Has It (Dizem por Aí...), de Rob Reiner; 2007: Closing the Ring (O Elo do Amor), de Richard Attenborough; 2010: Valentine's Day (Dia dos Namorados), de Garry Marshall; 2011: Anyone's Son (Morre... e Deixa-me em Paz), de Danny Aiello; 2012: Bernie, de Richard Linklater; 2013: Mother Goose!; Elsa & Fred, de Michael Radford; The Locals; The Secret Life of Walter Mitty (A Vida Secreta de Walter Mitty), de Ben Stiller; 2015: Wild Oats, de Andy Tennant; Men of Granite, de Dwayne Johnson-Cochran (pré-produção); Jim Button, de Dennis Gansel (anunciado). 

Televisão: 1955: Shower of Stars (série de TV); 1958: The Sid Caesar Show (série de TV); 1971-1972: Shirley's World, de Ray Austin (série de TV); 1995: The West Side Waltz (A Valsa da Vida), de Ernest Thompson (telefilme); 1998: Stories from My Childhood (série de TV); 1999: Joan of Arc (Joana de Arc - A Donzela da Lorena), de Christian Duguay (telefilme); 2001: These Old Broads, de Matthew Diamond (telefilme); 2002: Hell on Heels: The Battle of Mary Kay, de Ed Gernon (telefilme); 2002: Salem Witch Trials, de Joseph Sargent (telefilme); 2008: Coco Chanel, de Christian Duguay (telefilme); 2008: Anne of Green Gables: A New Beginning, de Kevin Sullivan (telefilme); 2012-2013: Downton Abbey, de Julian Fellowes (série de TV); 2014: Glee (série de TV).
Como realizadora: 1975: The Other Half of the Sky: A China Memoir (documentário); 2000: Bruno.


Sem comentários:

Enviar um comentário