segunda-feira, 3 de agosto de 2015

22 DE JULHO DE 2015


BONECA DE LUXO (1961)

O romance donde parte “Boneca de Luxo” traz a assinatura de Truman Capote e tem o título homónimo do filme no original, “Breakfast at Tiffany's”. A sequência inicial mostra-nos Audrey Hepburn (Holly Golightly / Lula Mae Barnes) frente a uma das montras da joalharia Tiffani’s comendo um croissant, bebendo leite de pacote, olhando as jóias do seu encantamento. A banda sonoro é “Blue Moon”. Não se pode ser mais romântico e, todavia, este é um filme de uma muito saudável amoralidade, ou não fosse Capote o seu autor literário. Sobre isso há desde já que dizer que Blake Edwards e o seu argumentista George Axelrod alteraram bastante alguns aspectos do romance para o encaixar numa mais aceitável versão de grande público. Paul Varjak (George Peppard), por exemplo, no romance é assumidamente homossexual, e  Holly Golightly não é apenas uma acompanhante de luxo de homens ricos, mas igualmente de mulheres. O filme ignora ambas as questões e cria para Varjak uma senhora casada, bem instada na vida (Patricia Neal), que lhe decora o apartamento e lhe deixa ainda generosos cheques na mesa da sala, antes de sair satisfeita dos seus encontros. Não se pode dizer que a moralidade seja recuperada inteiramente, mas é mais atenuada.
É Varjak quem resume a história quando tenta iniciar um novo romance: “era uma vez uma bela rapariga que vive com um gato sem nome…” Vem a saber-se depois que a bela rapariga que vive em Nova Iorque nasceu no Texas, casou aos 14 anos com  Doc Golightly (Buddy Ebsen), tem um irmão, Fred, que adora, fugiu de uma vida miserável e anónima para se instalar em Nova Iorque fazendo valer a sua beleza e outros encantos a homens que ela seduz em busca de um casamento rico. Tem realmente um gato, a que chama Gato, porque um gato não tem nome, não pertence a ninguém, como ela própria. Ela ama coisas bravias, julga-se indomável, não acredita no amor, ou pelo menos julga não acreditar, pede 50 dólares ao acompanhante sempre que vai ao toilette, é um estouvada que não se preocupa com as festas que dá e o barulho que provocam (o que leva o chinês do andar de cima a protestar continuamente e a ameaçar chamar a polícia…) e a sua boquilha enorme é bem capaz de provocar um incêndio no chapéu de uma qualquer convidada. De resto, rega plantas com whisky, o que é sempre de bom tom. Hepburn que tem uma carreira carregada de sucessos e de fulgurantes interpretações tem aqui o papel de uma vida (mas, neste caso, Hepburn é como os gatos, tem sete vidas).
Deliciosamente tresloucada e ingénua nalguns aspectos da vida, pelo menos assim parece, tem mesmo como padrinho um velhote simpático que ela visita semanalmente na prisão de Sing Sing. Para lhe entregar o “boletim meteorológico” e receber 100 dólares em troca. Claro que um dia vai ter problemas com as autoridades da brigada antidroga.


Tiffani’s é a sua obsessão e não é de estranhar que quando o prometedor escritor consegue ter 10 dólares vão os dois à joalharia procurar alguma coisa desse preço. Obviamente tarefa impossível, a não ser para um pequeno dedilhador de prata para telefone, bizantinice que não está nos propósitos do casal. Mas o bem avontadado empregado da Tiffani’s além de ter seguramente apadrinhado financeiramente o filme (em boa hora!), ainda aceita gravar as iniciais da Holly num anel que lhes saiu no equivalente americano da Farinha Amparo. Blake Edward é um realizador por vezes brilhante com um sentido da comédia admirável. Além deste esplêndido “Breakfast at Tiffany's”, assinou comédias como “10”, a notável série inicial da “Pantera Cor-de-Rosa”, “Darling Lili”, “The Great Race”, o fabuloso “The Party”, “That's Life!”, "S.O.B."  ou “Victor/Victoria”, o que não o impediu de rodar um drama espantoso, “Days of Wine and Roses”, ou um western extremamente interessante, “Wild Rovers”, entre muitos outros títulos a merecer atenção.
O filme tornou célebre o nº 167 East 71st Street, em Manhattan, Nova Iorque, e seu o poster, que aparece em dezenas e dezenas de quartos de jovens em diversas outras películas, foi considerado o 18º melhor cartaz de sempre num inquérito, “"The 25 Best Movie Posters Ever" organizado pela revista “Premiere”.
Curiosamente quem estava para interpretar o principal papel feminino de “Breakfast at Tiffany's” era Marilyn Monroe, que, alguns anos antes, tinha aparecido, sob as ordens de Billy Wilder, “O Pecado Mora ao Lado”. Ambos os filmes convocam algumas similitudes. Mas Marilyn, que julgo teria sido igualmente uma óptima escolha, ainda que num outro registo, escusou-se. Quem a aconselhou foi Lee Straberg, o guru do Actor’s Studio, que não viu com bons olhos a actriz a interpretar um papel de prostituta de luxo. Foi então convidada a belga Audrey Hepburn. O filme foi começado a rodar por John Frankenheimer, mas Hepburn não se deu bem com ele e este acabou substituído por Blake Edwards.
O elenco é todo ele de luxo, para lá de Audrey Hepburn que, como já vimos, é sumptuosa na composição de Holly Golightly. Mas George Peppard, longe dos filmes catástrofe em que parece ter-se especializado, está muito bem no discreto e tímido escritor Paul "Fred" Varjak, Patricia Neal é uma convincente decoradora em crise de meia idade, Buddy Ebsen é o compreensível e saudoso Doc Golightly, Martin Balsam            é O. J. Berman, um dos muitos generosos contribuintes para a boa vida de Holly, o VIP espanhol José Luis de Vilallonga passa por José da Silva Pereira, um brasileiro cobardolas, muito cioso d seu bom nome, John McGiver é o impagável vendedor da Tiffany's e Mickey Rooney interpreta o impagável Sr. Yunioshi, um chinês resmungão, que antecipa de alguns anos a personagem do chinês ajudante de Peter Seller na serie A Pantera Cor-de-rosa.
“Breakfast at Tiffany's” recebeu diversos prémios e nomeações. Foi nomeado para cinco categorias do Oscar, vencendo duas, três nos Globos de Ouro e cinco nomeações para os Grammy. Nos Oscars as nomeações foram para Audrey Hepburn, para o argumentista George Axelrod            e para a direcção artística, Hal Pereira, Roland Anderson, Samuel M. Comer e Ray Moyer; Ganhou os Oscars de Melhor partitura, Henry Mancini, e Melhor Canção  , a magnífica "Moon River", igualmente de Henry Mancini, escrita igualmente para este filme e, mais ainda, para a voz de Audrey Hepburn. Esta a cantá-la no canto de uma janela, dedilhando uma guitarra tornou-se numa das imagens de marca do filme e de uma certa época.

BONECA DE LUXO
Título original: Breakfast at Tiffany's
Realização: Blake Edwards (EUA, 1961); Argumento: George Axelrod, segundo romance de Truman Capote; Produção: Martin Jurow, Richard Shepherd; Música: Henry Mancini; Fotografia (cor): Franz Planer, Philip H. Lathrop; Montagem: Howard A. Smith; Casting: Marvin Paige; Direcção artística: Roland Anderson, Hal Pereira; Guarda-roupa: Hubert de Givenchy, Edith Head, Pauline Trigere, Joan Joseff; Decoração: Sam Comer, Ray Moyer; Maquilhagem: Nellie Manley, Wally Westmore; Assistentes de realização: William McGarry; Departamento de arte: Gene Lauritzen, Robert McGinnis; Som: Hugo Grenzbach, John Wilkinson, Richard Gramaglia; Efeitos visuais: Farciot Edouart, John P. Fulton; Companhias de produção: A Jurow-Shepherd Production; Intérpretes: Audrey Hepburn (Holly Golightly), George Peppard (Paul Varjak), Patricia Neal (2-E), Buddy Ebsen (Doc Golightly), Martin Balsam (O.J. Berman), José Luis de Vilallonga (José), John McGiver (vendedor de Tiffany), Alan Reed (Sally Tomato), Dorothy Whitney (Mag Wildwood), Beverly Powers (Stripper), Stanley Adams (Rusty Trawler), Claude Stroud (Sid Arbuck), Elvia Allman, Orangey (o gato), Mickey Rooney (Mr. Yunioshi), Alfred Avallone, Janet Banzet, Henry Barnard, Henry Beckman, Nicky Blair, Mel Blanc, Bill Bradley, Thayer Burton, Florine Carlan, Sue Casey, Roydon Clark, Marian Collier, Christine Corbin, Dick Crockett, Tom Curtis, Tommy Farrell, James Field, George Fields, Joe Gray, Joseph J. Greene, Barbara Kelley, Kip King, Frank Kreig, Gil Lamb, Hanna Landy, James Lanphier, Mary LeBow, Paul Lees, Leatrice Leigh, Mel Leonard, Mike Mahoney, Frank Marth, Fay McKenzie, Joyce Meadows, Hollis Morrison, Kate Murtagh, Bill Neff, Miriam Nelson, Chuck Niles, Peggy Patten, Robert Patten, John Perri, Michael Quinlivan, William Benegal Rau, Joe Scott, Charles Sherlock, Annabella Soong, Helen Spring, Joan Staley, Nino Tempo, Towyna Thomas, Glen Vernon, Linda Wong, Wilson Wood, Richard Wyler, Michael Zaslow, etc. Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Paramount / Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos.


AUDREY HEPBURN (1929- 1993)
Quando ainda adolescente, mas já apaixonado por cinema, escrita e belas mulheres, vi “Guerra e Paz”, de King Vidor, e achei (e escrevi-o num jornal de Portalegre, cidade onde então vivia), que Audrey Hepburn era uma Natasha Rostova sem igual. A minha paixão por Audrey Hepburn permanece e resiste ao tempo. Acho que nunca vi um mau filme com esta actriz.
Audrey Kathleen Ruston, conhecida no cinema por Audrey Hepburn, nasceu a 4 de Maio de 1929, em Bruxelas, Bélgica, e viria a falecer a 20 de Janeiro de 1993, em Tolochenaz, Vaud, na Suíça.  Se há actriz de sangue azul, autêntico e certificado, é esta. A mãe era a baronesa holandesa, Ella van Heemstra, e o pai, Joseph Victor Anthony Ruston, empresário nascido na Boémia, com ascendência inglesa e austríaca. O pai descobre nos seus ancestrais o nome de família Hepburn, que lhe acrescenta oficialmente. Passa a chamar-se Audrey Kathleen Hepburn-Ruston. Com o divórcio dos pais, Audrey viajou com a mãe para Londres, onde estudou. De regresso à Holanda, passou por privações várias durante a ocupação nazi. Chegou a comer folhas e bolbos de tulipas para sobreviver e assistiu à tortura e morte de familiares pelos nazis. Para a libertar da sua ascendência inglesa, mal vista pelos nazis, a mãe mudou-lhe nesse período o nome de Audrey para Edda. Depois da Libertação, regressou aos estudos em Londres, ingressou na escola de ballet de Marie Rambert (de onde saiu por ser alta demais e não ter vocação), trabalhou como modelo e ingressou no cinema em 1948, num pequeno papel, em “Nederlands in 7 lessen”, de Charles Huguenot van der Linden. Conhece Colete, que a escolhe para interpretar “Gigi” no teatro. Em 1951, com “Young Wives' Tale”, chama a atenção e, dois anos depois, é o triunfo, já na produção norte americana, com  “Férias em Roma”, de William Wyler, que se torna um grande sucesso de público e crítica e com o qual Audrey Hepburn ganha o Oscar de Melhor Actriz. Três dias depois ganha o Emmy pelo seu trabalho em teatro, na peça “Gigi”. Carreira fulgurante e triunfal. Ela não apresenta os atributos das "sex goddesses" dessa época, mas em contrapartida apresenta um beleza sofisticada, aureolada com alguma inocência e muita classe. Depois de “Férias em Roma” (1953) a carreira prossegue com obras que se tornam clássicos de um certo tipo de comédias românticas  como “Cinderela em Paris”, “Sabrina”, “Ariane”,  ou dramas como “A História de Uma Freira” (1959). Com “Boneca de Luxo” (1961) transforma-se num ícone de ressonância mundial, o que se mantém nas obras posteriores, “Charada” (1963), “Minha Linda Lady” (1964), terminando a sua filmografia com alguns títulos que fogem ao seu registo tradicional, “Caminho para Dois” (1967), e o filme de terror “Os Olhos da Noite” (1967). Depois deste filme, apresentaram-lhe propostas para aparecer em muitos outros, como “Adeus, Mr. Chips” (1969), “40, Idade Perigosa” (1973), “Nicolau e Alexandra” (1971), “O Exorcista” (1973), “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (1975), “Uma Ponte Longe Demais” (1977) ou “A Grande Decisão” (1977), mas recusou-os todos. Depois de ter casado com o psiquiatra Andrea Dotti, foram raras as suas aparições no cinema. Regressou em 1976, em “A Flecha e a Rosa”, de Richard Lester, e podemos ainda vê-la em “Laços de Sangue” e “Romance em Nova Iorque”, antes de dar por terminada a carreira em “Sempre”, de Steven Spielberg. Em 1988, Audrey tornou-se Embaixadora Especial das Nações Unidas, UNICEF, desenvolvendo esforços para ajudar as crianças da América Latina e de África. Na votação do American Film Institute relativa às “50 Greatest Screen Legends” aparece em terceiro lugar. Foi considerada uma das mais belas mulheres de sempre em vários inquéritos, como os das revistas “People”, “Entertainment Weekly”, "New Woman", “Premiere” e “Empire”. Morreu a 20 de Janeiro de 1993, em Tolochnaz, na Suíça, vítima de um cancro. Casada com o actor Mel Ferrer (1954 - 1968), que conheceu durante uma festa dada por Gregory Peck, e, posteriormente, com o Dr. Andrea Dotti (1969 - 1982). Viveu os últimos anos da vida na Suíça, na companhia de Robert Wolders, um actor holandês. Falava fluentemente diversas línguas: inglês, holandês, espanhol, francês e italiano. Henry Mancini afirmou que o tema “Moon River” tinha sido escrito para ela cantar e que ela o cantou como ninguém mais, apesar de centenas de versões, algumas de vozes como a de Sinatra. O seu papel de Holly Golightly, em “Boneca de Luxo” foi considerada a 32ª melhor interpretação de sempre na votação do “Première Magazine”, “100 Greatest Performances of All Time” (2006). Recusou interpretar “O Diário de Anne Frank” (1959) para não reviver os horrores passados sob a dominação nazi na Holanda. Quando tinha 16 anos, durante a batalha de Arnhem, Audrey foi enfermeira voluntária e tratou um jovem militar inglês ferido, Terence Young, que, mais de 20 anos depois, seria seu director em “Os Olhos da Noite” (1967).
Oscar para Melhor Actriz em “Férias em Roma” (1953) e Oscar Especial por razões Humanitárias em 1993. Nomeada por mais quatro vezes: “Sabrina” (1954), “The Nun's Story” (1959), “Breakfast at Tiffany's” (1961), “Wait Until Dark” (1967). Foi uma das raras actrizes a ganhar Oscar, Globo, Tony, Emmy e Grammy. Entre os seus amigos mais chegados contavam-se Elizabeth Taylor, Eva Gabor, Peter Bogdanovich, Blake Edwards, Julie Andrews, Shirley MacLaine, Gregory Peck, Ben Gazzara e Capucine. Ganhou o Tony Award de Melhor Actriz em 1954, com “Ondine” e em 1968 um Tonny honorário. Ganhou o Globo de Ouro, em 1953, com “Roman Holiday” e o Prémio Cecil B. DeMille, em 1990, um Prémio Honorário. Ganhou três BAFTAS, para “Roman Holiday”, “The Nun’s Story” e “Charade”. A 8 de Fevereiro de 1960 foi-lhe dada uma estrela no Passeio da Fama  de Hollywood. No ano de 2000 foi lançado o filme “The Audrey Hepburn Story”, uma homenagem a Audrey, com Jennifer Love Hewitt no papel principal.



Filmografia

Como actriz: 1948: Nederlands in 7 lessen, de Charles Huguenot van der Linden; 1949: Sauce Tartare (TV); 1950: Saturday-Night Revue (TV); 1951: One Wild Oat, de Charles Saunders; Laughter in Paradise (Uma Bela Piada), de Mario Zampi; Young Wives’ Tale, de Henry Cass; The Lavender Hill Mob (Roubei Um Milhão), de Charles Crichton; BBC Sunday-Night Theatre (TV) – episódio The Silent Village; 1952: The Secret People, de Thorold Dickinson; Nous irons à Monte-Carlo ou Monte Carlo Baby (Iremos a Monte Carlo), de Jean Boyer; CBS Television Workshop (TV); 1953: Roman Holiday (Férias em Roma), de William Wyler; 1954: Sabrina (Sabrina), de Billy Wilder; 1956: War and Peace (Guerra e Paz), de King Vidor; 1957: Funny Face (Cinderela em Paris), de Stanley Donen; Love in the Afternoon (Ariane), de Billy Wilder; Producers' Showcase (TV) – episódio Mayerling; 1959: Green Mansions (A flor que não morreu), de Mel Ferrer; 1959: The Nun’s Story (A História de Uma Freira), de Fred Zinnemann; 1960: The Unforgiven (O Passado Não Perdoa), de John Huston; 1961: Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo), de Blake Edwards; The Children’s Hour (A Infame Mentira), de William Wyler; 1963: Charade (Charada), de Stanley Donen; 1964: Paris When it Sizzles (Quando Paris delira), de Richard Quine; My Fair Lady (Minha Linda Lady), de George Cukor;  1966: How to steal a million (Como Roubar Um Milhão), de William Wyler; 1967: Two for the Road (Caminho para Dois), de Stanley Donen; Wait Until Dark (Os Olhos da Noite), de Terence Young; 1976: Robin and Marian (A Flecha e a Rosa), de Richard Lester; 1979: Bloodline (Laços de Sangue), de Terence Young; 1981: They All Laughed (Romance em Nova Iorque), de Peter Bogdanovich; 1987: Love Among Thieves (TV);1989: Always (Sempre), de Steven Spielberg.

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